A força do maracá e a resistência indígena ao medo
- Tarisson Nawa
- 6 de out. de 2019
- 14 min de leitura
Atualizado: 6 de jun. de 2020

“Acima do medo, coragem” foi uma fala bastante difundida entre os Pankararu, povo indígena da aldeia Bem-querer de Cima, em Pernambuco, durante o mês de outubro de 2018. Após trinta anos lutando pelo reconhecimento e retirada das famílias não-indígenas que ocuparam o território sagrado, o avanço nas negociações parecia ter chegado ao fim. No dia 29 de outubro, um dia após a vitória de Jair Bolsonaro para presidente do Brasil, a situação teve uma reviravolta. O contexto de vitória do candidato conservador mostrou que a situação de conflito no território indígena Pankararu só estava começando: uma escola e um Posto de Saúde da Família foram incendiados O ato criminoso é atribuído pelos indígenas aos eleitores de Bolsonaro.
A situação parece isolada, mas a expansão dos conflitos pelo Brasil demonstra que as reações à vitória do candidato não são localizadas. Caarapó, Miranda e Dourados, no Mato Grosso do Sul (MS), locais com foco de tensões entre indígenas e fazendeiros, também teve ataques aos nativos que lutam pela garantia do direito originário ao território tradicionalmente ocupado. Todas as ações criminosas contra os índios, pelo país, acentuaram o sentimento de instabilidade nas aldeias. Movimentos indígena, indigenista e acadêmicos preparam-se para emplacar estratégias de resistência para superação do contexto de ataques.

Os indígenas sempre foram vistos como fantasias em tempos de festas. Os estereótipos que atingem os nativos impossibilitam de pensar os índios como agentes mobilizados e não apenas “bons selvagem”. Essas condições fizeram com que eu, enquanto indígena nortista do povo Nawa, buscasse respostas dos meus parentes para o contexto de medo social que se instaurou pelas falas de Jair Bolsonaro. Quais são os sentimentos dos povos originários com a entrada de um candidato contrário à demarcação de terra? Quais as ações de resistência para os quatro anos de governo de Jair Bolsonaro? Essas questões norteiam a escrita de um jovem jornalista indígena na busca por reações aos desafios que se apresentam.
A reportagem especial traz os posicionamentos de cinco atores dentro do movimento em defesa e reconhecimento da luta indígena brasileira: liderança indígena, acadêmicos, indigenista, juventude e eu - me incluo enquanto protagonista das próprias narrativa dos povos originários. Apesar do alvo de ataques por Bolsonaro, os 518 anos de luta transformaram o sentimento de medo em coragem. O texto revela a vontade de resistir em relação às atuais ofensivas aos direitos indígenas constitucionais: direito à terra, à cultura e à mobilização social. Em conjunto com sociedade civil organizada, que se vinculam como aliados à causa, os povos nativos pensam uma atuação de resistência e luta frente ao momento de medo e o temor da parcela substancial dos brasileiros.
MOVIMENTO INDÍGENA: resistência contra o medo

Ao declarar que “ninguém quer maltratar o índio”, mas esses “não podem ficar reclusos em reservas como se fossem animais em zoológico”, Bolsonaro defendeu a diminuição nas demarcações das Terras Indígenas. Em outra declaração, o futuro presidente argumentou, em referência aos indígenas, que o brasileiro é um povo miscigenado: “somos iguais e não podemos criar privilégios”. Para o Bolsonaro, não faz sentido tratar indígenas como políticas diferenciadas
Os posicionamentos não foram bem recebidos pelas lideranças indígenas. Aos 72 anos, José Barbosa dos Santos, vice-cacique do povo Xukuru do Ororubá, se mostra preocupado com a visão do presidente sobre os indígenas. Para ele, os posicionamentos de Bolsonaro pode refletir em políticas contra os povos indígenas: “me preocupo com o cenário político que está posto e que será posto em prática em 2019 e com os planos políticos que está sendo desenhados contra os direitos humanos, da sociedade como um todo, e contra os direitos dos povos que têm uma cultura diferente no Brasil: povos indígenas, negros e quilombolas, sem terra, sem teto, pescadores e ribeirinhos’.
O ser humano é plural por natureza e cada um precisa respeitar a diferença do outro. Tendo respeito, nós vamos ter um país, uma nação e uma sociedade boa
Zé de Santa
Zé de Santa, como é conhecido dentro do movimento indígena, participou de todo o debate em torno da Constituinte de 1988. O índio Xukuru do Ororubá viu seus parentes serem reconhecidos como sujeitos de direitos com a implantação da Constituição Cidadã. Agora, com a ascensão de um movimento conservador de extrema direita e a chegada de seu representante no executivo, o progressismo comemorado pela liderança de Zé de Santa pode estar em perigo.
O vice-cacique participou de quinze Acampamentos Terra Livre - eventos que reúnem indígenas em Brasília para reivindicar o cumprimento de leis e acordos - e viu o decrescimento na demarcação dos territórios indígenas. De acordo com levantamento da jornalista Sheyla Miranda, em matéria para o Manual de Atualidades da Editora Abril, no governo de Fernando Henrique Cardoso foram 145 Terras Indígenas (TI) homologadas; no de Lula, 87; Com Dilma, 15; Por fim, no Governo de Temer, apenas 2 TI.
Diante desse contexto de retrocesso para o reconhecimento do direito territorial, a liderança Xukuru caracteriza como preocupante o cenário político que será posto em prática com Jair Bolsonaro. A demarcação das terras — espaços para reprodução física e simbólica dos povos — pode ficar ainda pior com a ocupação do poder executivo por um político defensor da não demarcação de “nenhum centímetro de terra indígena”, como declarou Bolsonaro
Para Zé de Santa, a dúvida paira sobre o futuro daqueles que ainda virão. “Como vai ser o futuro dos que ainda virão daqui pra frente, não só a juventude mas também os adultos, os velhos, aquelas crianças que estão nascendo?”, acentua o Xukuru.
Zé de Santa está apreensivo com a liberdade das práticas culturais dos seus parentes Xukuru. O medo é que o mesmo contexto de 1980, período em que os indígenas Xukuru eram negados a praticar o Toré (elemento do ritual Xukuru do Ororubá), volte a se instaurar e que essa negação seja juridicamente legítima. “O principal receio com relação aos Xukurus é exercício do direito à cultura específica e diferenciada. Infelizmente, com o desenho que está sendo formado de proibir o exercício do direito à cultura diferenciada própria de cada se mostra como uma grande preocupação para todos, para os mais velhos e as lideranças”.
A Constituição de 1988 reconhece o direito às práticas culturais dos povos indígenas no Artigo 215 e o reforça no Artigo 231, ao afirmar que os territórios indígenas também estão inclusos nas necessidades fundamentais dos índios. “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”. Para Zé de Santa, defender a não demarcação dos territórios é também atuar contra o direito ao toré Xukuru, aos rituais e às práticas religiosas do seu povo.
Todo essa preocupação tem um pano de fundo. Sem a garantia das práticas, os Xukuru temem a dispersão do povo como aconteceu durante a repressão pelos posseiros e fazendeiros no território, no século passado. O exercício da cultura é elemento constitutivo da identidade e da organização do povo de Zé de Santa.

O vice-cacique confirma que o movimento indígena está temeroso com outras instâncias de mobilização que atuam diretamente com os nativos. Fora dos territórios, os vínculos com os aliados da universidade, pesquisadores e pesquisadoras debruçadores da temática, podem sofrer grande impacto. “O nosso vínculo com aliados da universidade corre risco, porque são eles que ajudam nas pesquisas dentro do território. Os professores da universidade deram uma grande contribuição para o povo Xukuru e nós tememos pela situação deles onde trabalham”, declara incomodado a vice-liderança.
ACADEMIA: resistência contra o medo
Na noite do dia 06 de Novembro (quarta-feira), uma carta fixada no Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco aparecia nomes de pesquisadores, professores e estudantes. Na carta, os acadêmicos citados eram chamadas de “doutrinadores esquerdistas” que seriam “banidos”. Os escritores, não identificados, defendiam os profissionais como “escórias” e que seu banimento estava programado porque o “mito vem aí”. A referência fazia alusão à eleição de Jair Bolsonaro.
O primeiro parágrafo trazia nome de historiadores e, entre eles, o da professora Bartira Ferraz. A pesquisadora, que se dedica ao ensino da temática indígena, foi descrita como “doutrinadora comunista” que dissemina a deturpação da memória e história do Brasil. A reação de um movimento conservador universitário que apoia o candidato eleito para 2019 buscou o medo como estratégia para barrar as atuação dos acadêmicos.
Precisamos nos unir, superar arestas, diferenças naturalizadas no âmbito acadêmico, disputas internas teóricas e de pensamento e atuarmos em bloco
Edson Silva
Atrelado a essa ofensiva, anterior a eleição de Bolsonaro já havia um movimento de criminalização de acadêmicos. Após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da FUNAI e INCRA e a incriminação de ativistas, indigenistas e pesquisadores da temática, esses últimos tiveram a liberdade de cátedra afetada. O documento da CPI pedia a quebra do sigilo bancário da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), entidade da maioria dos profissionais que realizam lauro antropológicos para as Terras indígenas. O sentimento de revolta dos apoiadores de Bolsonaro levaram as Instituições de Ensino Superior a absorvição todos os ataques contras as populações indígenas.
Pesquisador há 30 anos, o professor titular de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Edson Silva, 56 anos, vê com perplexidade e temor o quadro apresentado. Para as pesquisas, ele acredita ser um “cenário de ameaças ao pensamento acadêmico”. As reações têm sido para erguer os direitos conquistados e lutar para o cumprimentos destes -- contra os retrocessos.
O professor acredita que a principal ameaça vem de um setor específico - a bancada ruralista. “No cenário que se apresenta, há uma grande ameaça de um determinado setor - a bancada ruralistas -, que é o agravamento dos conflitos agrários e a violência contra as populações indígenas”, destaca o pesquisador. Além de ser um grupo que agrava os conflitos agrários e a violência contra as populações indígenas, também é um coletivo forte dentro do Estado. A bancada é aliada aos interesses dos que emplacam propostas contra a liberdade de cátedra dos pesquisadores.
Segundo o professor, ganhos da academia e movimentos sociais, como a Lei 11.645 de 2008, que torna obrigatório o ensino da temática afro-brasileira e indígena, estão em jogo na tentativa de invisibilizar a presença indígena nas diversas áreas do conhecimento acadêmico e escolar. “Passados 10 anos da lei, observamos que, apesar dos pequenos avanços, o impacto depois do golpe de Temer foi a desmobilização nesse pequeno progressismo, uma vez que temática indígena a partir da citada lei foi relegada a um segundo plano”, conta receoso.
Reconhecendo as perspectivas não tão animadoras, Edson acredita que o caminho é “garantir a mobilização dos professores, da área do ensino e dos índios para reivindicar que a temática indígena seja discutida em nossa sociedade, para superação de estigmas, preconceitos e discriminação contra os povos nativos”.
Além dessas ofensivas, 62 projetos de lei (PLs) estão sendo debatidos no Congresso Nacional e nas câmaras legislativas de 12 estados da Federação vinculados à Escola Sem Partido. Para além do ataque aos estudos de gênero, o projeto visa ampliar seu poder de influenciar e combater os assuntos específicos de história e sociologia, vistos como doutrinadores, áreas onde a temática indígena é debatida.
Edson defende que ataques à educação e à atuação dos acadêmicos junto aos movimentos sociais possam unir os pesquisadores que apresentam posicionamentos acadêmicos distintos. Para ele, esse contexto se mostra como “um desafio para reinventarmos nosso lugar na academia e para contribuir com o pensamento social brasileiro”.
União, superação de arestas e atuação em bloco é uma das estratégias possível, para o professor, “contra qualquer ameaça que, porventura, venha atingir ou restringir a liberdade de cátedra, publicações e execuções das pesquisas, dos estudos e orientações”. O historiador é enfático ao defender a formação política para atuação junto a outros atores não acadêmicos, como povos indígenas. “Os pesquisadores têm um papel fundamental na consciência política para o reconhecimento de direitos, na formação dos nossos alunos e alunas. A promoção de leituras, estudos, seminários, congressos e eventos que venham aprofundar e debater temas que pesquisamos pode ser uma saída “para apoiar a mobilização e organização junto aos povos indígenas e aos movimentos sociais no Brasil, no Nordeste e, especificamente, em Pernambuco”, destaca Edson.
INDIGENISMO: resistência contra o medo

“Pode ter certeza, se eu chegar lá [presidência], não terá dinheiro pra ONGs. Esses inúteis vão ter que trabalhar”, foi com essa fala que Jair Bolsonaro discursou no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em 03 de Abril de 2017. O candidato, recentemente, na cúpula de transição governamental, foi parabenizado ao defender que as ONGs são um retrocesso para “uso das riquezas do país”. O vídeo divulgado no YouTube ainda reforça a fala do futuro presidente de que ONgs e demarcação de Terras Indígenas e Quilombolas vão “deixar de existir” no seu governo. Ele reforça: “Dá pra mudar o destino do Brasil e todos sairão ganhando com isso”.
Apesar do susto com as fala de Bolsonaro, José da Cunha Júnior, 62 anos, continua atuante no indigenismo dentro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) - ONG a serviço dos projetos de vida dos povos indígenas. Zé Karajá, como é conhecido dentro do movimento, desde a época em que atua no CIMI (1989), formou duas dimensões da vida que agora se entrecruzam no movimento. A dimensão pessoal e institucional caminham juntas e estão em jogo no atual contexto político de ataques ao movimento do qual o indigenista faz parte.
Karajá diz que o secretariado do CIMI, em Brasília, está “muito assustado”. O setor é responsável por acompanhar toda a tramitação de projetos na câmara e as decisões do judiciário. José acrescenta que o sentimento aparece porque as decisões estão sendo tomadas ignorando a legislação existente. “Se com essa legislação existe agressividade, nos preocupa o que irá acontecer sem essa legislação”, comenta apreensivo ao tratar do parecer da AGU, o Marco Temporal.
O forte das ações das organizações que defendem os indígenas é mostrar para a sociedade que os índios não são o que determinados setores da sociedade querem
José "Karajá"
O Parecer Antidemarcação da Advocacia Geral a União (AGU), publicado em julho de 2017, transforma em regra a tese político-jurídica do marco temporal. Isso quer dizer que as terras indígenas só podem ser demarcadas se estivessem sob posse das comunidades indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. Karajá expressa o susto que o parecer da AGU institui e defende que o entendimento não tem força jurídica. “Estão inviabilizando a demarcação de terras indígenas e estão querendo levantar uma referência que nos assusta muito”. Ele continua destacando o absurdo que posicionamentos como esse do poder executivo podem implicar no reconhecimento das Terras Indígenas. “São povos que durante 488 anos estiveram correndo das agressões e se exige que naquela data eles estivessem no mesmo lugar que seus ancestrais. Tanto isso é violento, do ponto de vista de negação da história e da migração dos povos”, exclama Karajá.
Além do parecer da AGU, outros 33 projetos em tramitação no Congresso Nacional atingem diretamente o direito territorial dos povos originários brasileiros. O dado é do Relatório do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de 2017. O documento, intitulado “congresso anti-indígena”, aponta que das 33 proposições, 21 são de deputados e senadores, dos quais dez pertencem a bancada ruralista - grupo defensor do agronegócio e contrário aos direitos originários dos índios.
Todos os ataques aos direitos dos nativos destroem a aposta que esses fizeram no Estado Constitucional de Direito. Durante a Constituinte, os povos compreenderam que fazem parte de um estado-nação e que esse, por sua vez, tem normas e que a construção dessas normas deu-se ouvindo as comunidades indígenas. Assim, os índios reconheceram, também, que qualquer mudança dessas normas devem ser feitas ouvindo as populações.
Karajá vê o judiciário como espaço de resistência para os indígenas. “Eles vão brigar muito para que essa leis sejam preservadas”, declara ao destacar a omissão do Estado frente a acordos internacionais assinados, como a Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais, de 1989.
Também conhecida como Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o acordo ratifica os artigos 231 e 232 da Constituição Brasileira. A assinatura do documento traz importantes avanços no reconhecimento dos direitos indígenas coletivos, entre eles o reconhecimento que os povos indígenas têm uma relação especial com a terra, base de sua sobrevivência cultural e econômica.
Apesar do pessimismo frente à atuação do Estado, Zé Karajá acredita que os indígenas vão fazer os arranjos possíveis, como fizeram há 518 anos, para se manterem como são, não só fisicamente, como culturalmente. Para ele, a cosmovisão de mundo permanecerá a mesma. Karajá acrescenta que não só organizações indigenistas mas também dos povos do campo -- campesinos, quilombolas, ribeirinhos, pescadores e etc -- serão atores críticos ao avanço do capitalismo sobre as riquezas do Brasil e sobre a qualidade de vida dessas populações.
Após 26 anos de ditadura, houve um debate imenso em torno da Constituinte de 1988. Os índios tiveram espaço, foram ouvidos e negociaram bastante, principalmente com os militares e com os setores do agronegócio, principalmente as mineradoras. O maior ganho foi conseguir um consenso naquela época. Karajá vê todo contexto de diálogo “indo por água abaixo, a partir da negação da história do Brasil, numa perspectiva de exploração agressiva dos recursos naturais não explorados e de exploração do povo. O indigenista finaliza dizendo: “dá uma tristeza muito grande dessa realidade, mas eu confio muito nas novas gerações. Acho que elas vão fazer seu papel por um país democrático e justo”.
JUVENTUDE: resistência ao medo

“Quando Bolsonaro chegar à presidência, esses índios vão ser colocados no lugar que devem estar. Esses índios têm muitos direitos”. A declaração foi de um eleitor onde Marcinha Olegário da Silva Oliveira, do povo Xukuru do Ororubá, estava como mesária. O posicionamento do defensor de Bolsonaro logo levou a indígena a se posicionar. “Você fala isso, mas não sabe a força do nosso Maracá”, retrucou chateada.
Os colegas de seção eleitoral pediram para Marcinha ter cuidado, mas a Jovem de 22 anos, não levou em consideração o conselho. “Eles querem causar medo na gente, mas nós não temos medo deles”, declarou orgulhosa por defender o seu povo.
Marcinha Participou, desde criança, da mobilização da juventude do seu povo e retomada do território. Hoje, estuda pedagogia, é educadora infantil na aldeia Canabrava, faz parte do coletivo de mulheres e do coletivo Poyá Limolaigo. A última é organização que pensa o protagonismo da juventude dentro do povo Xukuru do Ororubá. A jovem, que também é mãe, atua no povo pensando a juventude como continuidade da luta, sempre formando gerações na etnia para fortalecimento do movimento.
Desde quando passou pelo “martírio do contexto eleitoral”, como ela mesmo qualifica, sua preocupação esteve direcionada às pessoas que colocaram Bolsonaro no poder. “Minha preocupação não é ele no poder, mas as pessoas [que o elegeram]. A partir do momento que várias pessoas elegem uma pessoa como ele, quer dizer que várias pessoas pensam como ele - ou que querem o que ele quer, porque nem todos tiveram lavagem cerebral, óbvio!”, enfatizou a indígena
A primeira estratégia de resistência é a conscientização; a segunda, ninguém solta a mão de ninguém
Marcinha Xukuru
Preocupada com o futuro do Brasil para a sua geração, a jovem Xukuru confia nos pares da sua idade para enfrentar a situação de instabilidade para os indígenas. “Ele pode ter ganhado, mas nós não nos entregaremos derrotados. Nós vamos unir as forças. Vai ter luta até o último índio, até o último pobre, até o último negro”, frisou Marcinha.
Confiante no poder da informação, Marcinha vê como estratégia a união “das mulheres, dos negros e daquelas pessoas que são minorias mas sempre lutaram”. Ela continua falando do domínio da informação para enfrentar o momento: “eu acredito que o modo de unir as forças é ter conhecimento dos seus direitos e lutar por eles, para que não tenha retrocesso”.
Ao sistematizar uma forma de atuação da juventude frente aos possíveis ataques que virão em 2019, Marcinha declara “nós não vamos mandar um soldado pra guerra se ele não sabe o motivo, o porquê e pelo quê ele vai lutar. A conscientização pode ser feita pelo levantamento de quais propostas são retrocessos para a nossa mobilização, da terra, da tradição”. As possíveis estratégias vêm logo em seguida, para a jovem: “é mobilização na rua, é embate, é ir a Brasília? Essa organização ajuda a pensar no que vamos fazer. O passo é mobilizar, conversar, pensar, pra depois disso ver o que nós vamos enfrentar realmente”.
O momento de reflexão para a juventude indígena organizada está direcionada para a preocupação com a cuidado com a terra e a continuidade na defesa de uma bandeira que seus antepassados levantam. A jovem Marcinha viu vários parentes do seu povo morrer pela terra, inclusive sua liderança. Falar sobre a terra mexe com os sentimentos, mas ela não consegue parar de pensar nos irmãos indígenas que ainda não tem o processo de reconhecimento da terra concluído. “Terra não se negocia”, para a indígena Xukuru, “é nossa mãe e não objeto de comércio”.

O direcionando para uso da terra com fins comerciais e insustentáveis gera receio dentro do grupo que Marcinha faz parte. Apesar disso, temer nunca foi um sentimento que passou pela jovem. Aliás, ela mesmo declara “se lutar é preciso, resistir, ainda mais” e nessa situação atual não seria diferente. A busca pelo reconhecimento da diferença e a mobilização para enfrentar o medo e os ataques são motes que garantem a identidade étnica do povo sustentada. É nesse sentido que Marcinha acredita no avanço dos povos, como Xicão Xukuru falava, e ela mesmo reforça: “avançaremos”.
*Reportagem especial publicada na Revista Átmo, edição 05 [online] do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco, sob orientação de Bruno Nogueira e Rodrigo Cunha;
**Texto por Tarisson Nawa; Fotografia por Tarisson Nawa e Helena Portilho;



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